Uso de carro da empresa para ir a casa noturna gera justa causa

Uso de carro da empresa

A notícia foi visualizada na página do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) na Internet

(https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/uso-de-carro-da-empresa-para-ir-a-casa-noturna-gera-justa-causa).

Consta que foi mantida a justa causa de empregado que se utilizou de veículo da empresa que estava sob sua responsabilidade para ir a uma festa onde ingeriu bebida alcoólica.

Não estando em condições de dirigir o veículo, o empregado entregou as chaves a um colega de trabalho que também tinha bebido junto com ele.

O condutor do veículo, contudo, na sequência, veio a se envolver em um acidente de trânsito.

Restou provado pela empresa que o carro tinha sido disponibilizado para o deslocamento do empregado até o trabalho, excluído o uso para fins pessoais.

No julgamento da reclamação trabalhista do empregado contra a empresa no acórdão foi mencionado que, “ainda que a reclamada autorizasse o uso do seu veículo fora do horário de trabalho, certamente, isso não seria uma espécie de cheque em branco para que fizessem o que bem quisessem com ele – nunca seria uma autorização para o seu uso mesmo depois do consumo de bebida alcoólica”.

O empregado foi demitido com justa causa pela empresa e em que pese ter ajuizado reclamação trabalhista para tentar reverter o ato, restou vencido em primeira e segunda instâncias.

Pois bem.

O legislador trabalhista tratou das hipóteses de justa causa no artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), transcrito a seguir:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (negritamos).

Para o estudioso Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Sergio Pinto Martins1, a doutrina é praticamente unânime no sentido de que o artigo 482 da CLT é taxativo quanto às hipóteses de justa causa, ou seja, só na hipótese de ocorrência de uma das faltas lá descritas será possível a aplicação da penalidade consequente.

Adverte, porém, que a valoração dos atos praticados pelo empregado, com a consequente capitulação legal, será feita pelo Poder Judiciário.

Aliás, conforme já foi decidido noutra oportunidade pelo Tribunal2, a justa causa, como fato extintivo do direito do empregado, deve ser robustamente comprovada, ônus que recai sobre o empregador. Isso porque, a justa causa é uma penalidade que pode macular a vida profissional do trabalhador, o que exige maior cuidado na análise dos fatos que a configuram, atribuindo-lhes a gravidade que realmente têm, para que não se incorra em erro, evitando prejuízo irreparável ao empregado.

Assim sendo, considerando os reflexos na vida do empregado, sua configuração exige, além de prova robusta, clara e induvidosa, a presença de elementos indispensáveis, como a imediatidade, a gravidade do ato, a atualidade, a proporcionalidade e a relação causa-efeito, sem o que impossível se torna o seu reconhecimento.

Esse zelo por parte do Poder Judiciário é em razão do princípio da continuidade existente no contrato de trabalho, presumindo-se que o pacto laboral perdura no tempo, cabendo ao empregador a prova do correspondente término (arts. 818, da CLT e 373, II, do Código de Processo Civil).

A justa causa, por ser punição mais severa, pressupõe a gravidade da conduta capaz de quebrar a confiança entre empregado e empregador.

A doutrina, respaldada pela jurisprudência, discrimina os requisitos acima como sendo os caracterizadores da justa causa, a serem analisados segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Nesse sentido, o ônus da prova da justa causa, incluindo seus requisitos configuradores, são sempre do empregador, por se tratar de fato impeditivo do direito às verbas rescisórias.

Mauricio Godinho Delgado, notável jurista e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho apresenta 03 (três) requisitos: objetivos, subjetivos e circunstanciais.

O requisito objetivo corresponde à tipicidade da conduta faltosa. Isso significa que a justa causa do empregado só pode ser reconhecida em juízo se houver prova indene de dúvidas de que a conduta do trabalhador enquadra-se em pelo menos uma das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT.

Já o requisito subjetivo diz respeito a autoria da infração e ao dolo ou culpa do empregado na ação ou omissão que lhe foi imputada.

O prestigiado jurista acrescenta mais um requisito que não é normalmente considerado pela doutrina clássica, qual seja, o requisito circunstancial. Segundo ele o requisito circunstancial refere-se à atuação disciplinar do empregador em face da falta cometida, citando como exemplo o nexo causal entre a falta e a penalidade, adequação entre a falta e a pena aplicada, proporcionalidade, imediaticidade da punição etc.

No caso noticiado, ficou provado que o empregado usou o veículo da empresa para ir a uma casa noturna; que após ingerir bebida alcóolica entregou o veículo para ser conduzido por um colega que também tinha bebido; que, na sequência, o condutor do veículo se envolveu num acidente.

Se está, portanto, diante de mau procedimento, definido como um ato faltoso que não pode ser enquadrado nas demais alíneas do citado artigo 482 da CLT. “Tudo o que não possa ser encaixado em outras faltas será classificado no mau procedimento.”

São exemplos descritos por Sergio Pinto Martins: “Violação de correspondência. Justa causa para despedir. Incidência do art. 482, letra ‘b’, parte final, da CLT. A violação, pela empregada, de correspondência interna da empresa contendo informações confidenciais configura mau procedimento, autorizando a sua despedida com justa causa, pois tal comportamento quebra a confiança que deve existir entre empregador e empregado, inviabilizando a continuação do vínculo empregatício. (Ac. da 3ª T. do TRT da 12ª R., RO 0024/93). “Age mal empregado que, em dia de repouso, faz uso de veículo da empresa para o transporte de familiares e amigos, ao mesmo sobrecarregando e lhe imprimindo velocidade excessiva. Se há ainda a indevida cessão de veículo para que terceiro o conduza, estranho aos quadros da empresa, mais ainda se caracteriza o mau proceder, ensejador do justo despedimento (Ac da 2ª T. do TRT da 9ª R., RO 2.332/88).

Portanto, no contexto da notícia, do lado da empresa, havendo a deliberação por parte do empregador de disponibilizar veículo para o empregado, a orientação é de que as condições de uso sejam passadas para ele com clareza como, por exemplo, se será uso exclusivo para o trabalho ou lhe é possibilitado o uso para fins particulares, a necessidade de se respeitar sempre a legislação de trânsito, a recomendação para que o veículo seja conduzido com prudência, sem negligência e sem o empréstimo da direção a terceiro para que, dentro do possível, fique a empresa a salvo de prejuízos em seus bens ou de ter que indenizar terceiros por danos que esta venha a causar quando na posse do empregado.

Assim foi acertada a manutenção da justa causa aplicada pela empresa, pois o veículo foi utilizado indevidamente pelo empregado, seja para ir a uma festa noturna (uso pessoal não admitido nas condições impostas quando da entrega do veículo ao empregado), seja por autorizar o empregado que o veículo fosse conduzido por pessoa que tinha ingerido bebida alcoólica.

Por: Miguel Ângelo Salles Manente, sócio em Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, inscrito na OAB/SP sob nº 113.353, graduado pela Faculdade de Direito de Guarulhos. Advogado com ampla atuação nas áreas do Direito Civil e Direito do Trabalho.

Referências Bibliográficas:

[1] MARTINS, Sergio Pinto – Comentários à CLT – 21ª ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018, p. 582, nota 2 ao art. 482.

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