O artigo art. 10 da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), confere ao Estado a obrigação de garantir a dignidade da pessoa com deficiência durante a sua vida:
Art. 10. Compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida.
O professor Paulo Franco Lustosa, mencionado na obra de José A. Remedio, leciona que o deficiente se encontra em situação de hipervulnerabilidade, devendo o Estado conferir-lhe uma proteção especial:
(…) Paulo Franco Lustosa afirma que a pessoa com deficiência, quando exposta às circunstâncias de risco previstas no parágrafo único do art. 10 da Lei 13.146/2015, torna-se hipervulnerável, merecedora, portanto, de uma proteção jurídica mais efetiva (REMÉDIO, 2021, p. 298)
Com essa premissa, objetivando preservar o emprego daqueles que se encontram em condição de maior vulnerabilidade por conta do momento pandêmico e todas as suas repercussões, o Governo Federal editou a lei nº14.020/2020, que prevê a estabilidade da Pessoa com deficiência durante o estado de calamidade pública.
O inciso V do artigo 17 da mencionada lei, concedeu ao empregado com deficiência o direito de não ser demitido imotivadamente, notadamente em razão de sua maior vulnerabilidade comparado aos empregados não deficientes:
Art. 17. Durante o estado de calamidade pública de que trata o art. 1º desta Lei:
(…) V – a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência será vedada.
Aludida norma visa a manutenção do emprego e da renda de pessoas que, em razão de sua maior fragilidade, poderiam ser imediatamente demitidas como forma de contenção de gastos pelas empresas em razão das dificuldades decorrentes da pandemia da Covid-19.
O problema é que a Lei 14.020/2020, tem por base o período de vigência do Decreto Legislativo nº 6/2020 e Lei nº 13.979/2020, sendo que tais dispositivos fazem constar que o período de calamidade pública perdurou até 31/12/2020. Contudo, mesmo que este prazo não tenha sido oficialmente prorrogado, a verdade é que ainda estamos em situação de emergência de saúde pública, lembrando que por conta da sua hiporvulnerabilidade, deve ficar garantido o emprego da pessoa com deficiência.
Um segundo problema é que o STF em decisão que julgou ADI 6.625 MC/DF, prorrogou a vigência de alguns artigos da Lei nº 14.020/2020, até, no mínimo, dezembro de 2021, sem, contudo, incluir o artigo 17 que previa a estabilidade do empregado Portador de Deficiência enquanto perdura-se o estado de calamidade.
Não obstante a vigência da Lei n° 13.979 /2020, estar vinculada àquela do Decreto Legislativo n° 6/2020, que decretou a calamidade pública para fins exclusivamente fiscais, vencendo em 31 de dezembro de 2020, deve-se considerar que a verdadeira intenção dos legisladores tenha sido a de manter as medidas que protejam, sobretudo as pessoas na condição de hipervulnerabilidade, pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia, já que em 2020, ainda não era possível prever o impacto da pandemia.
No mais, considerando os fundamentos da decisão proferida pelo STF nos autos da ADI nº 6625, com destaque para a utilização dos princípios da prevenção e da precaução em matéria de saúde pública, para o fim de manter a vigência de disposições contidas na Lei n° 13.979/2020, porque ainda persistente a situação crítica da pandemia que resulta no estado de calamidade pública, pode-se defender que o mesmo raciocínio é válido na interpretação do inciso V do art. 17 da Lei nº 14.020/2020. Ou seja, subsistiam ainda as condições que motivaram a instituição da estabilidade provisória do portador de deficiência, pelo menos até 31 /12/2021.
Portanto, diante da interpretação sistemática e teleológica que deve se dar sobre Decreto Legislativo nº 6/2020, na Lei nº 13.979/2020 e na Lei nº 14.020/2020, à luz da decisão proferida pelo E. STF, nos autos da ADI nº 6625, verifica-se a possibilidade do ajuizamento de demandas para que as pessoas com deficiência demitidas injustamente entre 01 de janeiro de 2021 e 31 de dezembro do mesmo ano, ingressem com podido indenizatório junto ao poder judiciário. Aludido pedido teria como base os salário que o trabalhador, portador de deficiência, perceberia da data da sua demissão até, no mínimo, 31 de dezembro de 2021, garantindo-lhe uma possível reparação por conta da rescisão imotivada do seu contrato de trabalho, em meio à situação de pandemia.
Por: Lucas Delgado Conceição, advogado associado em Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, inscrito na OAB/SP sob nº 412.754, graduado pela Universidade São Judas Tadeu, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.