A possibilidade da penhora do bem de família de alto valor nas Reclamações Trabalhistas:

bem de família de alto valor nas Reclamações Trabalhistas

 A Lei nº 8.009/90 tem por objetivo proteger o direito fundamental à moradia, previsto no caput do artigo 6º da CF/88, afastando a possibilidade de satisfação patrimonial sobre o imóvel em que reside a família. Ante o atual cenário protecionista ao devedor, indaga-se quando é possível a constrição de parte do imóvel, quando de alto valor. 

 O Novo Código de Processo Civil traz quebras de paradigmas quanto às proteções pela impenhorabilidade, uma vez que reformou o termo elencado no artigo 649 do CPC/1973, de “absolutamente impenhoráveis” para “bens impenhoráveis” elencado no artigo 833 do NCPC/2015. 

Observa-se que houve um abrandamento com a questão da impenhorabilidade, o que causa uma brecha para discussão e debate quanto aos bens impenhoráveis, e até que ponto estes devem seguir inconstritos. 

O caput do artigo 1º da Lei 8.009/90 estabelece a impenhorabilidade do imóvel que sirva de residência à entidade familiar, exigindo, para seu reconhecimento, a demonstração cabal que aquele imóvel é destinado à moradia permanente de sua família. 

O legislador instituiu a Lei visando o direito à moradia digna, mas não determina um teto para o valor, ou tamanho do imóvel que deve ser considerado como impenhorável. 

Afinal, o que se entende como moradia digna? 

O professor e ministro do STF Luis Edson Fachin discorre em sua obra Estatuto jurídico de patrimônio mínimo, que: “o efetivo abrigo da dignidade da pessoa humana demanda, além dos direitos da personalidade, a proteção de um mínimo patrimonial que atenda às necessidades mais básicas do ser”. 

Nesse sentido, o bem de família e o direito à moradia digna levantam debates necessários sobre a omissão e a controvérsia do instituto legal, o que traz azo para as doutrinas e jurisprudências definirem o que é moradia digna, 

entidade familiar, e bem de família. 

É notório que a impossibilidade da penhora do bem de família de alto valor ofende os princípios basilares da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista a discrepância entre o credor (com tentativas frustradas de satisfação do seu crédito) e devedor (ostentando com sua família em um imóvel de alto valor). 

Partindo desse princípio, apesar do NCPC não legislar sobre o valor do imóvel que deve ser considerado como impenhorável, alguns Tribunais entendem de forma diversa ao dispositivo legal. Vejamos: 

BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DE ELEVADO VALOR. POSSIBILIDADE DE PENHORA. PRINCÍPIO DA 

PROPORCIONALIDADE. O que deve ser preservado é o direito à moradia digna da família e não o bem em si, mormente quando possua elevado valor e sua alienação importe em satisfação do crédito do trabalhador e ainda garanta a aquisição de outro imóvel pelo executado. (Agravo de Petição, J. 24/10/12, Rel. Ivete Bernardes Vieira de Souza, Acórdão nº 20121265778, P. 31/10/12, 16ª Turma, TRT 2ª Região) 

BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE RELATIVA. A impenhorabilidade assegurada pela Lei 8009/90 não pode conduzir ao absurdo de se permitir que o devedor mantenha o direito de residir em imóvel suntuoso, de elevado valor, se com a alienação desse bem lhe resta numerário suficiente para aquisição de outro que lhe proporcione digna e confortável moradia. (Agravo de Petição, Acórdão nº 2009624780, 1ª Turma, Rel. Wilson Fernandes, DOESP 25/08/2009, TRT 2ª Região). 

Em que pese os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, não cabe ao julgador estabelecer um teto ou percentual a ser penhorado nos bens de família de alto valor, mas sim ao legislador. 

Por esse motivo, muitos tribunais são restritos à interpretação de que o bem de família é inalienável independente do valor. 

Essa controvérsia causada pela omissão do dispositivo legal, destaca a emergente necessidade da reforma legislativa, tendo em vista a sistemática protecionista ao devedor. 

Isso porque, a proteção da penhora do bem de família instituída pela Lei nº 8.009/90, assegura o direito social à moradia do devedor que, em contrapartida, acaba por desamparar os direitos sociais do credor, fazendo existir, portanto, um confronto entre direitos fundamentais de ambas as partes. 

Afinal, apenas o devedor tem direito à moradia? Apenas o devedor tem direitos existenciais e sociais? 

Nota-se que, nesse caso, a proteção da dignidade da pessoa humana aplica-se apenas ao devedor com imóvel de alto valor, desamparando o credor, que também tem direitos sociais (na seara trabalhista, por exemplo, os créditos obtidos em Juízo detêm caráter alimentar) e, por vezes, não os usufrui pela frustração na satisfação do seu crédito. 

Por essa razão, o presente instituto se mostra, por vezes, injusto e desigual entre as partes, e deve ser reformado para atender os direitos fundamentais de todos por igual. 

Até porque, eventual penhora de parte do imóvel de família, mesmo quando de alto valor, seria uma decisão arbitrária, vez que não há previsão legal, motivo pelo qual a probabilidade de se lograr êxito é baixa, por falta de respaldo na lei. 

Isto posto, frisa-se que a penhora do bem de família é inconstitucional, e a possibilidade da constrição do bem, quando de alto valor, deve ser analisada e estudada nas hipóteses em que há desigualdade entre as partes, e ofenda os direitos sociais do credor. 

Ademais, a divergência jurisprudencial e doutrinária, bem como a controvérsia legal dessa matéria, somente será encerrada quando for instituído um dispositivo legal que determine o valor do imóvel que será protegido por esse instituto, permitindo assim, que todo o imóvel que ultrapasse o teto determinado seja considerado parcialmente penhorável, devendo, contudo, ser assegurado ao devedor valor suficiente para adquirir novo imóvel digno à moradia da entidade familiar. 

Conclui-se, então, que a alternativa necessária para um cenário mais igualitário, é uma reforma no ordenamento jurídico brasileiro pela via legislativa, atendendo o princípio da isonomia, e os interesses e direitos de todos. 

Por: Maria Clara Fernandes de Souza, assistente jurídico no escritório Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, graduada pela Universidade Nove de Julho.

Referências Bibliográficas: 

[1] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Renovar, 2006. 

[2] REsp nº 1.351.571, Ministro Luiz Felipe Salomão (voto vencido), julgamento em 27/09/2016. 

[3] TARTUCE, Flávio. BARROS, André Borges de Carvalho. Penhora do Bem de Família de Alto Valor. Jornal Carta Forense, 2017. 

[4] O Impacto do Novo CPC – vol. 1 – 7ª Prova – 6-8-2015 – Edson/7/5/5/7/6. 

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