Rescisão amigável de contratos administrativos: (in)viabilidade prática:

Revisão-de-Contrato

Apesar de legal e expressamente prevista, a rescisão amigável dos contratos administrativos é viável em termos práticos?

A rescisão amigável dos contratos administrativos encontra guarida no art. 79, inc. II e §1º, da Lei Federal nº 8.666/93 (“Lei de Licitações”):

“Art. 79.  A rescisão do contrato poderá ser: […]

II – amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração; […]

§ 1o  A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente”.

A semântica do instituto não deixa margem para dúvidas: amigável. Se é amigável, presume-se acordo mútuo, concordância recíproca, das partes contratantes – Administração Pública e particular – em rescindir o contrato administrativo antes do termo final [1]:

“A rescisão administrativa é aquela determinada por ato unilateral (sob forma escrita) da Administração (art. 79, I). Compreende tanto a rescisão por inadimplemento do contratado (art. 78, I a XI e XVIII) como em hipótese de rescisão por inconveniência para a Administração (art. 78, XII) ou por caso fortuito ou de força maior (art. 78, XVII).

Já a rescisão amigável decorre da vontade consensual e bilateral dos contratantes no sentido de extinguir o contrato (art. 79, II).”.

No entanto, assim como a maioria dos institutos de Direito Público, a validade da rescisão amigável se condiciona à formalização desse acordo mútuo nos autos do processo administrativo do qual decorre a licitação que originou o respectivo contrato administrativo.

Nada obstante, apesar de “amigável”, a rescisão está condicionada à prévia autorização escrita e fundamentada da autoridade administrativa competente da Administração Pública contratante, revelando que o instituto não é “tão amigável” assim.

Além disso, há que se destacar que a rescisão amigável é alternativa subsidiária, ou seja, só é cabível quando ausentes causas de rescisão unilateral do contrato por parte da Administração Pública, ou quando o negócio for anulável.

Igualmente, se for necessária, ao interesse público, a continuidade da execução do objeto contratual, é incabível ao administrador público autorizar a rescisão amigável [2]:

“Sendo necessária a execução do objeto ajustado, não pode o gestor, discricionariamente, autorizar a rescisão amigável do contrato, pois tal instituto tem aplicação restrita e não é cabível quando configurada outra hipótese que dê ensejo a rescisão unilateral ou anulação do ajuste ” (TCU, Acórdão 845/2017, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, Boletim de Jurisprudência 171/2017).

Ademais, a rescisão amigável do contrato administrativo não se presta a corrigir eventual contratação superestimada em termos de quantidade de itens licitados. Nessa hipótese, cabe a anulação ou aditamento contratual [3]:

“A rescisão amigável do contrato não é medida adequada para solucionar contratação com superestimativa de quantitativos, cabendo, nessa hipótese, a anulação do contrato, com base no art. 7º, §§4º e 6º, da Lei 8.666/1993, ou a celebração de termo de aditamento contratual para sanear a falha.” (TCU, Acórdão 2612/2016, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, Boletim de Jurisprudência 148/2016).

Também por isso, a eventual morosidade de processo administrativo buscando a rescisão unilateral do contrato não justifica a rescisão amigável do contrato administrativo [4]:

“A eventual morosidade do processo administrativo de rescisão unilateral não pode ser considerada para justificar a rescisão amigável do contrato administrativo, que somente se admite quando conveniente para a Administração e não houver motivos para a rescisão unilateral” (TCU, Acórdão 2205/2016, rel. Min. Ana Arraes, Boletim de Jurisprudência 142/2016).

Outrossim, faz-se necessário que o administrador público demonstre a conveniência de rescindir amigavelmente o contrato administrativo, não bastando manifestar apenas a “intenção” de fazê-lo. É preciso, ainda, demonstrar a ausência dos motivos para rescisão unilateral do contrato [5]:

“A rescisão amigável do contrato sem a devida comprovação de conveniência para a Administração e de que não restaram configurados os motivos para a rescisão unilateral do ajuste configura irregularidade, por afrontar o disposto no art. 79, inciso II, da Lei 8.666/1993” (TCU, Acórdão 740/2013, rel. Min. Benjamin Zymler, j. 03.04.2013).

Para além de todos os aspectos jurídicos acima indicados, o ponto nevrálgico é o seguinte: supondo-se que juridicamente seja cabível e regular a proposição da rescisão contratual amigável pela administração pública, o que ocorre se o particular contratado não tiver a intenção de aceitá-la? Ele pode se recusar a fazê-lo? Quais são as consequências práticas disso?

De fato, o particular pode sim recusar a rescisão amigável do contrato administrativo, assim como pode fazê-lo a Administração, caso a proposta de rescisão amigável venha do particular.

Caso isto ocorra, o contrato administrativo seguirá com seus regulares efeitos até o termo final previsto no instrumento contratual, a não ser que sobrevenha algum motivo para rescisão unilateral por parte da Administração.

Isto já foi asseverado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em caso concreto. Consta na respectiva ementa [6]:

“Contrato administrativo rescisão e indenização serviço de fornecimento de alimentação drástica redução nos volumes (70%) rescisão amigável recusada pela contratante inviável, agora, a rescisão do pacto, posto que o serviço foi prestado até o encerramento da vigência contratual devida indenização correspondente aos prejuízos efetivamente suportados pela contratada, que deve ser dimensionado com base no laudo, observada a redução de período contratual e a exclusão do percentual de tolerância (25%) sentença reformada. Recurso parcialmente provido.

O que se está a demonstrar é que o aspecto negocial será preponderante para a (in)viabilidade da rescisão amigável do contrato administrativo. “Que vantagem Maria leva” ao rescindir amigavelmente um contrato administrativo?

Certamente, à Administração será vantajoso deixar de pagar aos particulares a prestação de determinados serviços ou fornecimento de determinados produtos, a depender do objeto do Contrato Administrativo.

Em se tratando de objeto altamente relevante, é evidente que não haverá vantagem. No entanto, caso se trate de algo prescindível, é de se vislumbrar vantagem aos cofres públicos.

Ao particular, no entanto, raramente será vantajoso deixar de receber valores da Administração Pública. Para este, na maioria dos casos, a vantagem de rescindir amigavelmente um contrato administrativo está relacionada à sua dificuldade ou não de fornecer os produtos e/ou serviços a que se obrigou perante à Administração.

Caso não consiga fornecê-los a tempo e modo, é vantajoso ao particular rescindir amigavelmente o contrato antes da incidência das penalidades legais e contratuais pelo descumprimento dos termos contratuais. No entanto, possuindo condições de adimplir com o contrato administrativo, dificilmente o particular topará a rescisão amigável.

É exatamente por isso que a (in)viabilidade da rescisão amigável dos contratos administrativos dependerá da análise do caso concreto.

São essas as considerações sobre a (in)viabilidade prática de rescisão amigável dos contratos administrativos.

Por: Luís Felipe Pardi

Advogado associado em Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, inscrito na OAB/SP sob nº 409.236, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017), pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura (2020).

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