A união estável e a divisão da herança

A polêmica questão da divisão dos bens na constância de uma relação de união estável.

Por Laura Accioly

A união estável, embora já seja reconhecida pelo novo Código Civil, possui algumas variantes que diferenciam-na do casamento civil. No que diz respeito à divisão dos bens da herança, o cônjuge (casamento civil) e o companheiro (união estável) são tratados de maneira desigual pela lei brasileira.

Antes de tratar essas diferenças, vale a pena entender o que é considerado união estável aos olhos da lei. 

Encontra-se abaixo o texto da lei na íntegra:

“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” (Grifo nosso). – Artigo 1.723 do Código Civil

Importante observar que, nesse artigo, não há declarações a respeito do tempo em que o casal está junto. Não há um mínimo necessário para constatar a presença de união estável. No entanto, os autores de livros de Direito e os tribunais vêm admitindo a importância desse requisito e de outros que não estão explícitos na lei para o reconhecimento da união. Nas palavras do Ministro do STJ Luis Felipe Salomão:

“Somado a estes [elementos indispensáveis do art. 1.723], há também os acidentais, como o tempo de convivência, a existência de filhos, a construção patrimonial em comum, a lealdade e a coabitação, que, apesar de serem prescindíveis (como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, Súmula 382), possibilitam que o julgador tenha mais substrato para a recognição do formato de tal entidade” 

Em outras palavras, alguns fatores como tempo, filhos e construção de patrimônio, podem não ser exigidos pela lei, mas são importantes para que o juiz reconheça com mais certeza que há a união estável. 

Falaremos aqui sobre a união estável não definida por contrato ou escritura pública, já que, nas uniões regulamentadas por contrato, a dinâmica da divisão de bens será detalhada pelo casal no documento. Então, na união estável não formalizada, o regime será, automaticamente, o de comunhão parcial de bens comuns, ou seja, o compartilhamento em igual proporção somente do patrimônio adquirido após a união.

Assim, em caso de morte de um, o companheiro já possui metade dos bens comuns do casal. Até este ponto, a união estável está em pé de igualdade com o casamento. Entretanto, há na lei (artigo 1.790 do Código Civil) algumas particularidades que garantem mais direitos aos bens comuns. Veja abaixo:

“A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.” 

Artigo 1.790 do Código Civil

Resumindo, além da meação, o companheiro terá direito, também, a uma porcentagem equivalente à dos filhos do casal (na herança apenas dos bens comuns). No casamento civil, o cônjuge não herda mais do que a metade dos bens comuns, ele apenas é meeiro, sem participar na divisão dos outros 50%, que são dos filhos. Já na união estável, além de receber metade da herança, o parceiro ainda entra como recebedor na parcela dos outros 50% que restaram. 

Isso significa que, pela lei, o companheiro recebe uma parcela maior da herança do que o cônjuge.

Para exemplificar, considere um casal, em união estável, que tem dois filhos. Com o falecimento de um dos parceiros, o outro teria direito, então, à 50% da herança, mas não pararia por aí: ele ainda entraria na parte que restou para os filhos. Como são dois filhos, junta-se o companheiro e os 50% restantes são divididos entre eles três. Ao final da divisão, o companheiro herdará 66,66% dos bens comuns: os seus 50% + um terço (16,66%) do que restou. Ele não terá participação alguma na herança dos bens adquiridos antes da união, como é de praxe em uma comunhão parcial.

Se o exemplo acima dissesse respeito a um casal que casou-se no civil, ao final da partilha, o cônjuge teria consigo apenas 50% da herança, e não 66,66%.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualmente aplica às uniões estáveis, em processos e decisões judiciais, os mesmos direitos do casamento, por considerar que tal lei que confere mais direitos aos companheiros seja injusta e incoerente.

 Ainda assim, o mais seguro para o casal, quando se trata de evitar discussões entre os herdeiros, é formalizar a união estável mediante escritura pública ou contrato particular, principalmente se houver filhos de outra união ou casamento. Com a formalização dessa união, o casal poderá definir de maneira exata como quer que seja feita a divisão dos e pré-definir a porcentagem na qual cada um terá direito. É a maneira mais segura para não ficar à mercê de processos e decisões judiciais após o falecimento de um dos companheiros.

O GBSA está à disposição para auxiliar os interessados na compreensão do instituto da União Estável, bem como em sua formalização mediante escritura pública ou contrato particular.

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