A Empresa Simples de Crédito, inovação instituída pela Lei Complementar nº 167/2019

Entenda o regramento e funcionamento do novo instituto da Empresa Simples de Crédito e seus benefícios para o empreendedorismo no país.

Por Rafael Ruiz

O governo brasileiro tem anunciado diversas medidas para estimular o empreendedorismo. Neste sentido, foi publicada a Lei Complementar nº 167, em vigor desde 24 de abril de 2019, que, entre outras inovações, instituiu a Empresa Simples de Crédito.

Trata-se de uma empresa de concessão de crédito para microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, ou seja, é uma empresa que empresta dinheiro para esses sujeitos.

A finalidade dessa inovação é facilitar a obtenção de crédito pelos microempreendedores individuais, microempresa e empresas de pequeno porte, que encontram grande dificuldade de conseguir linhas de crédito junto aos bancos, e pode resultar em um grande impacto para o empreendedorismo e dinamismo econômico do país.

O objetivo deste artigo é apresentar alguns aspectos da Empresa Simples de Crédito e de seu regramento jurídico, como contribuição para que a sociedade tenha conhecimento deste novo instituto e possa usufruir de seus benefícios de maneira segura e correta.

Definição:

A Empresa Simples de Crédito (“ESC”) é uma empresa que tem a finalidade de conceder empréstimos, realizar financiamentos ou fazer o desconto (“compra”) de títulos de crédito (esta última operação consiste, na verdade, em uma operação de empréstimo no qual o título de crédito servirá como “garantia” para a ESC). A ESC deverá desempenhar exclusivamente estas atividades.

Clientes:

A ESC pode celebrar os contratos de concessão de empréstimo, ou seja, ter como clientes, apenas microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte (definidas conforme a LC 123/2006).

Recursos:

A ESC somente pode realizar suas atividades com recursos próprios, ou seja, não pode emprestar dinheiro de terceiros. Vê-se que, neste ponto, se diferencia das instituições financeiras, pois estas podem operar com recursos de terceiros.

Limitação ao âmbito municipal:

A ESC possui âmbito municipal ou distrital, ou seja, sua atuação se restringe ao município de sua sede ou em municípios limítrofes, sendo vedado que existam filiais em demais localidades.

Remuneração:

A remuneração da ESC pode ocorrer apenas por meio de juros remuneratórios, sendo vedada a cobrança de quaisquer outros encargos.

Formalização do contrato:

A formalização do contrato das operações deve ser realizada por meio de instrumento próprio, devendo ser entregue uma cópia ao cliente.

Movimentação dos recursos:

A movimentação dos recursos deve ser realizada exclusivamente por meio de débito e crédito em contas de titularidade da ESC e do cliente contraparte na operação.

Valor máximo das operações:

O valor total das operações que a ESC realizar não pode ser superior ao seu capital social.

Integralização do capital social:

O capital social da ESC somente pode ser integralizado em moeda corrente (ou seja, em dinheiro).

Receita bruta máxima:

A receita bruta anual da ESC não pode ultrapassar o limite de R$ 4.800.000,00 (receita bruta para Empresa de Pequeno Porte – EPP). Considera-se receita bruta a remuneração auferida pela ESC com a cobrança de juros.

Juros:

Em relação aos juros remuneratórios, não há limitações.Assim, não se aplica as limitações da Lei da Usura (12% ao ano), da mesma forma do que ocorre com as instituições financeiras. Há discussão ainda não pacificada sobre a possibilidade da ESC ser remunerada também por meio de juros moratórios, em caso de não-cumprimento pelo cliente.

Vale lembrar, aqui, a diferença entre juros remuneratórios e juros moratórios. Os juros remuneratórios são aqueles pagos pelo devedor como uma forma de remunerar o credor por ele ter sido privado de seu capital por um tempo determinado. Já os juros moratórios são aqueles pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no pagamento, funcionando como uma punição pelo atraso na devolução do capital.

Vedação à participação em mais de uma ESC:

A mesma pessoa não pode participar de mais de uma ESC, mesmo que sejam localizadas em municípios distintos ou sob a forma de filial.

Vedação à contratação com entidades da administração pública:

A ESC não pode realizar suas operações, na qualidade de credora, com entidades integrantes da administração pública direta, indireta, fundacional de qualquer dos poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. 

Forma:

A ESC deve se constituir sob a forma de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), empresário individual ou sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas físicas.

Nome empresarial:

O nome empresarial da ESC deve conter a expressão “Empresa Simples de Crédito”. É proibido utilizar qualquer expressão que possa confundir a ESC com uma instituição financeira, como as palavras “banco”, “instituição financeira”, “caixa econômica”, etc.

Vedação ao enquadramento da ESC no Simples Nacional.

É expressamente proibida a adesão da ESC ao regime simplificado e favorecido do Simples Nacional.

IRPJ e CSLL:

A ESC deve pagar IRPJ e CSLL, no percentual de 38,4% da receita bruta das atividades desempenhadas. Trata-se de uma tributação bastante elevada (as empresas de factoring, por exemplo, que já são grandemente tributadas, pagam 32%).

Falência e recuperação judicial:

A ESC está submetida regularmente ao processo de falência e recuperação judicial previsto na Lei nº 11.101/2005. Trata-se de uma outra diferença em relação às instituições financeiras, que estão submetidas a este regime falimentar apenas subsidiariamente.

Banco de dados:

A ESC deve manter um banco de dados com a anotação de informações de adimplemento e de inadimplemento de seus clientes.

Registro de operações da ESC:

As operações da ESC devem ser registradas em uma entidade registradora autorizada pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários. Sem este registro, as operações são nulas.

Alteração na Lei de Lavagem de Dinheiro:

A ESC deve atender às obrigações previstas nos arts. 10 e 11 da Lei de Lavagem de Dinheiro, relacionadas à identificação e registro dos indivíduos partes de suas operações, de modo a assegurar maior controle do Poder Público no combate à lavagem de dinheiro.

Condutas criminosas:

Diante do desrespeito a esse regramento, incorre-se em condutas criminosas.

Assim, há crime nas seguintes situações:

  1. se a ESC atuar em município que não é o de sua sede nem limítrofe;
  2. se a ESC celebrar contrato com uma contraparte que não é microempreendedor individual, microempresa ou empresa de pequeno porte;
  3. se a ESC operar com recursos de terceiros; 
  4. se o valor total das operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC for superior ao capital social;
  5. se a ESC realizar operação de captação de recursos;
  6. se a ESC realizar operações de crédito, na qualidade de credora, com entidades integrantes da administração pública direta, indireta e fundacional de poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal;
  7. se a remuneração da ESC não ocorrer somente por meio de juros remuneratórios;
  8. se o contrato da operação não for formalizado por meio de instrumento próprio, com cópia entregue à contraparte;
  9. se a movimentação dos recursos não for realizada exclusivamente mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade da ESC e da pessoa jurídica contraparte na operação.

Ressalta-se que a responsabilidade é da pessoa física, e não da pessoa jurídica, de modo que responde pelo crime o administrador da ESC ou outra pessoa que tenha sido responsável por esta decisão empresarial. Ainda, o crime é punido apenas a título de dolo, não se admitindo a modalidade culposa. Pode ser aplicada pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.

Dessa forma, estão apresentados os principais aspectos do regramento da Empresa Simples de Crédito.

Trata-se de um instituto que pode trazer inúmeros benefícios para o empreendedorismo no país, a partir da concessão de crédito para quem anteriormente não tinha acesso, de modo a dinamizar a economia.

Entretanto, para se utilizar deste instituto de forma correta e segura, deve-se atentar para os inúmeros detalhes do regramento.

O GBSA está à disposição de seus clientes para assessorá-los em temas relacionados à Empresa Simples de Crédito.

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