A arrematação de bens em leilões judiciais: aquisição originária ou derivada da propriedade?

arrematação de bens em leilões judiciais

Se, há alguns anos, era pacífico o entendimento de que a arrematação implicava aquisição originária da propriedade do bem adquirido, atualmente, a jurisprudência parece caminhar no sentido de que tal aquisição é derivada.

Não é novidade que a arrematação de bens em leilões judiciais é uma alternativa muito atraente para aqueles que procuram um investimento com rápido retorno financeiro.

Usualmente, compra-se um bem que vale “2x” pagando-se “x” e, após realizados mínimos ajustes para tornar o bem apropriado ao proveito a que se destina, revende-se o bem adquirido pelo valor de mercado, auferindo-se lucro de “x” descontadas as despesas dos ajustes.

Parece muito simples na teoria, todavia, alguns embaraços burocráticos levam muitos arrematantes a se desesperarem diante da demora para recuperar o investimento realizado.

Exemplos disso não faltam: recursos processuais que versam sobre o bem arrematado; regularização do parcelamento dos valores da arrematação perante a Procuradoria Tributária responsável; cumprimento do mandado de apreensão e entrega do bem pelo oficial de justiça, efetivação do registro cartorário quando necessário, entre outras hipóteses do cotidiano das arrematações.

Superados todos esses pontos, a discussão a que se chega é a seguinte: a arrematação judicial de um bem representa sua aquisição originária ou derivada?

Noutras palavras, o arrematante adquire o bem como se ele nunca tivesse existido anteriormente, sendo seu “primeiro proprietário”? Ou, diversamente, o adquire com todo o histórico anterior (débitos, ônus, encargos etc.)?

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entende que “A arrematação, como a usucapião, é modo de aquisição originária da propriedade, justo que, nas duas hipóteses, não existe nenhuma relação negocial entre o primitivo proprietário e o novo, o que afasta a natureza derivada da transmissão do domínio” [1].

O entendimento catarinense é respaldado pelo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça [2]: “A aquisição em hasta pública é considerada modo de aquisição de propriedade a título originário, de modo que, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, não ocorre a subsistência de eventual ônus hipotecário incidente sobre ele”.

Lado outro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo compreende o instituto como forma de aquisição derivada da propriedade [3]:

“MANUTENÇÃO DA R. DECISÃO EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CARAPICUÍBA DE SORTE A PROCEDER A AVERBAÇÃO DA ARREMATAÇÃO PROMOVIDA NOS AUTOS – ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA, O QUE AFASTARIA O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL – IMPOSSIBILIDADE – CARTA DE ARREMATAÇÃO – FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE, A QUAL SE SUJEITA À QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – RECURSO NÃO PROVIDO.”

Acompanha o entendimento paulista o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios [4]:

“IV. Nesse particular, o entendimento firmado pelo STJ estabelece que a base de cálculo do ITBI é o valor da arrematação em hasta pública, na medida em que “a arrematação possui natureza jurídica de venda, razão pela qual deve ser considerado esse valor do bem arrematado como seu valor venal” (STJ, AREsp 1425219/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019). V. Portanto, indene de dúvidas que a cobrança do tributo é legítima, uma vez que a arrematação é uma espécie de aquisição de propriedade que possui natureza jurídica de venda (e sobre ela estipula-se a base de cálculo para incidência do ITBI), cuja transmissão ocorrerá com o registro da respectiva carta de arrematação no ofício competente (fato gerador do imposto).”

Veja-se que os entendimentos de que a arrematação representa aquisição originária da propriedade são mais antigos (2014 e 2018) do que aqueles que entendem por sua aquisição derivada (2019), ainda que o Superior Tribunal de Justiça possua maior grau de jurisdição em comparação às cortes que entendem diferentemente a ele.

A conclusão a que se chega é a de que, atualmente, há uma insegurança jurídica sobre o tema, que poderá ter inúmeras consequências práticas sobre registros cartorários, cobrança de débitos, ônus e encargos diversos, entre outras complicações.

Portanto, é necessário que os tribunais superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça, pacifique a matéria, a fim de consolidar se o seu posicionamento de 2018 prevalecerá (aquisição originária) ou se mudará de entendimento para acompanhar o posicionamento mais recente doutros tribunais (aquisição derivada) quanto à natureza jurídica da aquisição da propriedade via arrematação em hasta pública.

Referências Bibliográficas:
[1] TJ-SC, AC 20110142254, 5ª Câmara de Direito Civil, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 09.10.2014.
[2] STJ, AgInt no REsp 1318181/PR, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21.08.2018).
[3] TJ-SP, AI 21509563320198260000, 16ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Simões de Vergueiro, j. 21.10.2019.
[4] TJ-DFT, AC 07031323720198070018, 3ª Turma Recursal, rel. Fernando Antonio Tavernard Lima, j. 28.08.2019.

Por: Luís Felipe Pardi, advogado associado em Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, inscrito na OAB/SP sob nº 409.236, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017), pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura (2020).

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