Necessidade de modificação do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o termo inicial do prazo prescricional para ajuizamento de ações de improbidade administrativa envolvendo agentes políticos exercentes de cargos eletivos interna corporis:

O prazo da improbidade administrativa

A fixação do termo inicial do prazo prescricional há de observar não o encerramento do mandato eletivo do agente político, mas sim o término do exercício do cargo que lhe permitiu ou permitiria praticar os atos de improbidade em apuração ou persecução.

Especificamente com relação ao prazo prescricional do agente público e do particular que com aquele concorrer para a prática de atos de improbidade administrativa, a Lei 8.429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa”) preceitua:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; […]”.

De início, o dispositivo legal parece não ter muitos problemas para sua aplicação prática.

No entanto, há situações em que o agente público exerce cargo de chefia, direção ou assessoramento dentro da repartição pública e, somente nessa condição, poderia ou pode praticar determinados atos ímprobos.

Exemplo disso é o Presidente de uma Casa Legislativa, o qual usualmente é o responsável regimental para a aquisição de materiais e contratação de todos os bens e serviços demandados pela repartição pública e, portanto, sujeita-se às cominações da Lei de Licitações e da Lei de Improbidade Administrativa mais intensamente do que os seus colegas.

Vale dizer, somente na condição de presidente é que o agente público poderia praticar atos de improbidade relacionados às contratações da repartição, já que os demais colegas não possuem atribuição para tanto.

Ocorre que, por inúmeras razões, o agente pode deixar de exercer o cargo de chefia, direção ou assessoramento antes do fim de seu mandato político.

Não faz sentido, então, que o termo inicial da prescrição acima mencionada seja o fim do mandato político, pois na condição de um parlamentar “comum”, o agente não poderia praticar os atos ímprobos decorrentes de contratação de produtos e/ou serviços para a repartição.

No exemplo acima, portanto, a Lei deve ser interpretada no sentido de que o termo inicial da prescrição será o encerramento do mandato como Presidente da Casa Legislativa, e não o do membro da casa legislativa.

Lamentavelmente, num intuito de passar um “ar de moralidade” por meio de uma “caça às bruxas”, o Superior Tribunal de Justiça consolidou sua jurisprudência no sentido de que, mesmo nos casos idênticos ou análogos ao do exemplo acima, o prazo prescricional começa a ser contado a partir do término do mandato de legislador/político, e não do cargo de chefe, diretor ou assessor na repartição, ainda que sejam os únicos cargos por meio dos quais poderia praticar os atos ímprobos:

“[…] No  caso  em tela, o encerramento do vínculo do recorrente – agente político detentor de mandato eletivo de vereador –  com  a  Administração  Pública  deu-se  com  o término do mandato exercido.

Na espécie, não obstante o ato ímprobo seja de quando o vereador ocupou a função de Presidente da Câmara Municipal nos dois primeiros anos  da  legislatura, o exercício do mandato eletivo somente findou em  31/12/2004,  último  dia  do  vínculo  do  vereador  com o ente político,  motivo  pelo  qual  a  ação  de  improbidade  ajuizada em 14/4/2009 não está prescrita. […]”

(AgInt no REsp 1518431/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 10/08/2018).

Veja-se que o próprio Tribunal de Cidadania consignou que o ato ímprobo só poderia ser praticado pelo agente na função de Presidente da Câmara Municipal mas, mesmo assim, fixou termo inicial para o prazo prescricional uma ocasião na qual o ato ímprobo jamais poderia se repetir ou ser realizado.

Respeitosamente, não se deve permitir uma punição  – fixação incorreta do termo inicial do prazo prescricional – por algo que o agente não cometeu e sequer poderia vir a cometer.

Isso viola de sobremaneira o princípio da individualização das penas e da responsabilização conforme o ato praticado pelo agente, consolidados no Estado Brasileiro.

Enquanto não se é investigado, processado ou condenado, essa “caça às bruxas” parece muito eficiente e útil aos interesses da sociedade.

Até a hora em que resolvem nos investigar e processar e o “devido processo legal”, bem como os “direitos e garantias individuais” não são corretamente observados.

Tarde demais: a condenação é praticamente certa em prol de uma “moralidade” que por si só já é violada com o desrespeito a tais direitos e garantias.

Em razão de todo o exposto, faz-se necessária a superação desse entendimento do STJ, a fim de se fixar, como termo inicial do prazo prescricional para responsabilização do agente político exercente de cargo eletivo interna corporis, a data em que se afastar de tal cargo de direção, chefia ou assessoramento nas ocasiões em que, somente no exercício desse cargo, poderia cometer o ato ímprobo pelo qual está sendo investigado ou processado.

Por: Luís Felipe Pardi, advogado associado em Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados – GBSA, inscrito na OAB/SP sob nº 409.236, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017), pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura (2020).

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